As audições de Dona Rosa!
Ontem o Facebook me surpreendeu com uma lembrança de 47 anos atrás. Esta foto da audição dos alunos da queridíssima professora Rosa Lourdes Civile Mellito, em dezembro de 1976. O que me demoveu irresistivelmente a elaborar a crônica a seguir.
As audições da Dona Rosa eram momentos elaborados com esmero e muita dedicação. O resultado dos estudos ao longo de um ano inteiro.
Ensaiávamos na salinha dos fundos do sobrado onde Dona Rosa residia e lecionava, no Jardim da Saúde. Eram duos a dois pianos e quartetos a dois pianos / quatro mãos de peças lindíssimas, daquelas que não se ouvem mais hoje em dia. Eu fazia a contagem em voz alta. E, claro, preparávamos e apresentávamos os solos daquelas músicas que aprendíamos a adorar ouvindo os colegas mais adiantados e queríamos tocar quando estivéssemos em condições.
Meus pais me levavam ao Koiti, nosso alfaiate de anos, para preparar a roupa: camisa branca de colarinho, calça social (geralmente marrom), a indefectível gravata-borboleta e, claro, o bom sapato Buzolin, primazia de meu amado pai.
Nosso templo da música era o Auditório da Liga das Senhoras Católicas, Praça Pérola Byington (Rua Jaceguai), Bela Vista. Nos cotizávamos com as despesas: aluguel do teatro, aluguel e afinação de dois vistosos pianos de cauda (nosso sonho de consumo a longo prazo), as corbeilles de flores ao fundo… tudo muito delicado e lindo. Os convites traziam uma bela ilustração na capa: ora uma gravura, ora uma singela ilustração, ora a reprodução das “Raparigas ao Piano” de Renoir. No miolo, o repertório e os respectivos alunos que interpretariam as músicas. O crescente grau de dificuldade das peças atestava o nível de adiantamento dos alunos.
A audição era em duas partes. Longa (éramos muitos), mas não cansava, pelo menos para mim. No decorrer dos anos, quando éramos “promovidos” a tocar na segunda parte, era um “frisson”, sinal de que estávamos evoluindo na matéria.
Nosso público era formado pelos familiares e amigos. Que gostoso receber tanta gente querida, de sorriso no rosto, nos aplaudindo carinhosamente e, ao final, sempre prontos a nos dar um elogio, um incentivo.
Tudo isso era combustível garantido para se prosseguir nos estudos no ano vindouro. E se preparar para a próxima audição!
Eu estou bem no centro da foto. O menino de sorriso de orelha a orelha, camisa branca e gravatinha vermelha. Nesse ano, apresentei o primeiro choro de minha vida, o tango brasileiro Escorregando, de Ernesto Nazareth. Meu pai, muito musical e exigente – não elogiava, não. -, só me disse: “Agora, é a vez do Apanhei-te, Cavaquinho!” Acho que ele gostou…
Saudades e gratidão por nossa querida e tão devotada mestra, a quem devo o que sou hoje. Saudades dos colegas presentes nessa foto, que não vi mais e tínhamos um convívio próximo, saboroso. Alegria por ainda ter alguns colegas por perto, nas redes sociais e até em convivio: Sergio de Oliveira, maestro! Elisabet Just, pianista, cantora! Iroty Reis, nossa eterna professora de teoria! Ivana, minha amiga da vida inteira e hoje minha aluna de piano!
Somos o que bem vivemos, e essa recordação é parte fundamental disso. Gratidão!